22.10.09

a dor de pensar

- olha, ofélia, nem sabes! - disse doce e sorridentemente fernando, enquanto bebericava o seu café, de perna cruzada e confortavelmente recostado na cadeira - já consegui inventar aquela temática que te tinha dito.
- ai é, amorzinho? - ofélia fez um pausa, pensativa - mas qual? a do sonho?
- não, essa ainda está por acabar de inventar. estou a falar daquela, a mais complicada. chamei-lhe "a dor de pensar". o que é que achas?
- parece-me um bom nome... só de o ouvir, já me sinto triste.
- exactamente! - gritou fernando, por entre gargalhadas demoníacas - é exactamente esse o meu objectivo!
- mas nem é bem triste, fernando - continuou - é mais... não sei... se ouvir muitas vezes esse tema, parece que entrarei num estado depressivo.
fernando, ao ouvir isto, arregalou os olhos e deu um pulo da cadeira da esplanada.
- mas isso é óptimo, bebezinha! já estou a ver... - disse, enquanto gesticulava com as mãos e erguia o peito - já consigo ver a cara dos jovens do futuro, quando eu já estiver morto, a estudar todos os meus poemas, pimba, pimba, pimba, aquele suicídio literário todo a entrar-lhes pelos olhos!... e eles não se vão poder safar, terão que arranjar uma maneira ou outra de encontrar significado para todos os meus fúnebres poemas, tanto, tanto, tanto!... que não aguentarão de sofrimento.
- oh, nandinho, acalma-te - interveio ofélia, olhando de esgueira para os outros clientes que, outrora relaxados no famoso Martinho da Arcada, fitavam agora com desdém o poeta.
- tudo correrá como planeado, ofélia querida...- murmurou entre dentes, com um sorriso vitorioso - eu nem percebo muito disto, mas vou chumbá-los a todos, míseros estudantes, sempre armados em espertos, sempre à espera da sexta-feira seguinte para irem sair para o garage, sempre a pensar em comer gajas, em ver os morangos... esperem até ao 12º ano, esperem só! enlouquecerão!
- sim, claro... queres ir embora amor?
- ofélia, tu não estás a compreender... a vida tem sido madrasta para mim, e será assim até ao fim dos meus dias, mas pouco me importa. acredita que o meu nome ficará na história e em todos os malditos manuais escolares! em breve, todos saberão o que custa não saber se se é ou não... em breve, todos conhecerão as minhas mais estapafúrdias facetas, as minhas dúvidas, tristezas e noites mal dormidas! e, em breve, deixarão de ser minhas para se tornarem deles! de todos aqueles rebeldes! - as palavras saíam-lhe com tal intensidade, que as linhas da sua face haviam-se tornado tensas e demarcadas, fazendo a sua expressão assemelhar-se a um cão atiçado. os seus dentes pareciam agora mais proeminentes e, apesar de manifestar uma atitude raivosa, os seus lábios rasgavam-se num sorriso psicadélico, e quase não se viam as pálpebras superiores dos seus olhos, de tão abertos que estavam. um pingo de suor escorria-lhe, lentamente, pela testa até ao queixo.
- está bem, está bem, como queiras. já temos o café todo a olhar para nós, e já bebeste cafeína a mais para a tua conta.
ofélia pegou-lhe pacientemente pelo braço, enquanto as pessoas olhavam, aterrorizadas. a expressão facial de fernando paralisara. no entanto, ele não demonstrava resistência ao ser levado dali para fora. os seus movimentos estavam presos, e da sua boca saíam sussurros como "vamos acabar com eles... digo-te, ofélia... vamos acabar com aqueles mentecaptos..."
assim que saíram, o café retomou a sua sonoridade habitual. e aquele dia foi esquecido para sempre.
ou será que...?

9 comentários:

Anónimo disse...

então e cadê o quim ali na votação? não há comboio pra ninguém?

quem? disse...

caro anónimo, já não posso alterar a sondagem.
de qualquer das maneiras, a sondagem refere-se a deslocações intra-urbanas, isto é, dentro do núcleo citadino.
se tiver mesmo que ser, olha... vota no metropolitano :/
peço desculpa pelo meu erro!

Anónimo disse...

E o Nando? Um bocadinho a pé, um bocadinho andando?

Anónimo disse...

sim, nas cidades quer dizer entre a periferia e o centro há comboio, não é!? sem problema, eu já votei que eu uso vários e escolhi um...
tecnicamente a pé não é um meio de transporte mas sim de deslocação.

quem? disse...

na sondagem, podem escolher mais que uma opção!

Marta disse...

dói não dói? ainda bem que me lembras

Anónimo disse...

Troçar do maior poeta nacional é de mau tom...

Anónimo disse...

gosto de como se inclina jajajaja

quem? disse...

não estou a troçar, caro anónimo!
gosto de fernando pessoa (aliás, prefiro o heterónimo álvaro de campos). no meio de tanto estudo para um teste, comecei a criar esta situação na minha cabeça.
não é com o intuito de ofender, é como uma caricatura. isto é o oposto do poeta, ele era uma pessoa muito reservada, melancólica e franzina.
decidi dar asas à imaginação e criar um contexto em que ele libertasse o seu verdadeiro eu que, então seria de alguém tresloucada, exuberante e excêntrica.

vá lá, não me levem tão à letra. isto é simplesmente para provocar alguns risos aos meus leitores.
admiro muito a obra de pessoa.

cumprimentos
a autora do blog