- olha, ofélia, nem sabes! - disse doce e sorridentemente fernando, enquanto bebericava o seu café, de perna cruzada e confortavelmente recostado na cadeira - já consegui inventar aquela temática que te tinha dito.
- ai é, amorzinho? - ofélia fez um pausa, pensativa - mas qual? a do sonho?
- não, essa ainda está por acabar de inventar. estou a falar daquela, a mais complicada. chamei-lhe "a dor de pensar". o que é que achas?
- parece-me um bom nome... só de o ouvir, já me sinto triste.
- exactamente! - gritou fernando, por entre gargalhadas demoníacas - é exactamente esse o meu objectivo!
- mas nem é bem triste, fernando - continuou - é mais... não sei... se ouvir muitas vezes esse tema, parece que entrarei num estado depressivo.
fernando, ao ouvir isto, arregalou os olhos e deu um pulo da cadeira da esplanada.
- mas isso é óptimo, bebezinha! já estou a ver... - disse, enquanto gesticulava com as mãos e erguia o peito - já consigo ver a cara dos jovens do futuro, quando eu já estiver morto, a estudar todos os meus poemas, pimba, pimba, pimba, aquele suicídio literário todo a entrar-lhes pelos olhos!... e eles não se vão poder safar, terão que arranjar uma maneira ou outra de encontrar significado para todos os meus fúnebres poemas, tanto, tanto, tanto!... que não aguentarão de sofrimento.
- oh, nandinho, acalma-te - interveio ofélia, olhando de esgueira para os outros clientes que, outrora relaxados no famoso Martinho da Arcada, fitavam agora com desdém o poeta.
- tudo correrá como planeado, ofélia querida...- murmurou entre dentes, com um sorriso vitorioso - eu nem percebo muito disto, mas vou chumbá-los a todos, míseros estudantes, sempre armados em espertos, sempre à espera da sexta-feira seguinte para irem sair para o garage, sempre a pensar em comer gajas, em ver os morangos... esperem até ao 12º ano, esperem só! enlouquecerão!
- sim, claro... queres ir embora amor?
- ofélia, tu não estás a compreender... a vida tem sido madrasta para mim, e será assim até ao fim dos meus dias, mas pouco me importa. acredita que o meu nome ficará na história e em todos os malditos manuais escolares! em breve, todos saberão o que custa não saber se se é ou não... em breve, todos conhecerão as minhas mais estapafúrdias facetas, as minhas dúvidas, tristezas e noites mal dormidas! e, em breve, deixarão de ser minhas para se tornarem deles! de todos aqueles rebeldes! - as palavras saíam-lhe com tal intensidade, que as linhas da sua face haviam-se tornado tensas e demarcadas, fazendo a sua expressão assemelhar-se a um cão atiçado. os seus dentes pareciam agora mais proeminentes e, apesar de manifestar uma atitude raivosa, os seus lábios rasgavam-se num sorriso psicadélico, e quase não se viam as pálpebras superiores dos seus olhos, de tão abertos que estavam. um pingo de suor escorria-lhe, lentamente, pela testa até ao queixo.
- está bem, está bem, como queiras. já temos o café todo a olhar para nós, e já bebeste cafeína a mais para a tua conta.
ofélia pegou-lhe pacientemente pelo braço, enquanto as pessoas olhavam, aterrorizadas. a expressão facial de fernando paralisara. no entanto, ele não demonstrava resistência ao ser levado dali para fora. os seus movimentos estavam presos, e da sua boca saíam sussurros como "vamos acabar com eles... digo-te, ofélia... vamos acabar com aqueles mentecaptos..."
assim que saíram, o café retomou a sua sonoridade habitual. e aquele dia foi esquecido para sempre.
ou será que...?
9 comentários:
então e cadê o quim ali na votação? não há comboio pra ninguém?
caro anónimo, já não posso alterar a sondagem.
de qualquer das maneiras, a sondagem refere-se a deslocações intra-urbanas, isto é, dentro do núcleo citadino.
se tiver mesmo que ser, olha... vota no metropolitano :/
peço desculpa pelo meu erro!
E o Nando? Um bocadinho a pé, um bocadinho andando?
sim, nas cidades quer dizer entre a periferia e o centro há comboio, não é!? sem problema, eu já votei que eu uso vários e escolhi um...
tecnicamente a pé não é um meio de transporte mas sim de deslocação.
na sondagem, podem escolher mais que uma opção!
dói não dói? ainda bem que me lembras
Troçar do maior poeta nacional é de mau tom...
gosto de como se inclina jajajaja
não estou a troçar, caro anónimo!
gosto de fernando pessoa (aliás, prefiro o heterónimo álvaro de campos). no meio de tanto estudo para um teste, comecei a criar esta situação na minha cabeça.
não é com o intuito de ofender, é como uma caricatura. isto é o oposto do poeta, ele era uma pessoa muito reservada, melancólica e franzina.
decidi dar asas à imaginação e criar um contexto em que ele libertasse o seu verdadeiro eu que, então seria de alguém tresloucada, exuberante e excêntrica.
vá lá, não me levem tão à letra. isto é simplesmente para provocar alguns risos aos meus leitores.
admiro muito a obra de pessoa.
cumprimentos
a autora do blog
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