9.5.09

um passo para a frente, dois passos para trás

hoje é mais um dia, um dia que faz completar um ano.
não sei se fiz o que senti ou se apenas dei continuidade às tradições enraizadas na nossa cultura. pareceu-me, de certa forma, um processo mecânico. é reconfortante e honroso colocar-se ramos de flores sobre um terreno adormecido, ignorando a fealdade que a natureza oferece ao subsolo, três metros debaixo da terra. não me consigo sentir bem com o "é suposto fazer-se assim". é suposto eu pensar em matéria em decomposição? é porque, se não for, passa-se algo de errado comigo. não me sinto bem, não sinto nenhuma aproximação com o transcendente ao deparar-me com aquela ironia - o feio, o inaceitável da sociedade, embelezado por mármore branco e flores coloridas.
as flores morrem. ofereço-as sabendo que, quando eu voltar, estarão feias. mortas. sem cor.
porque não afastar-me? aquela chuva miudinha já me incomodava, e quatro pessoas debaixo de um guarda-chuva só me agoniavam mais. quero silêncio.
afasto-me, para longe, resguardo-me debaixo de árvores. a natureza morta, caída no chão, move-se sem parar com o impacto do peso das gotas de chuva. é um cenário interessante.
sinto um nó na garganta, nem sei porque é que estou aqui, custa-me mais a ausência dele. vim de branco... a chuva torna-se, aos poucos, mais intensa. já confundi a água do céu com a dos meus olhos, mas não faz grande diferença.
sinto um aroma familiar que me envolve e leva-me para o outro lado do oceano, para há muito tempo atrás. agarro a terra molhada. gosto de a sentir - o cheiro, a textura. quase que me sinto criança outra vez. uma música que costumávamos cantar há dez anos ecoa na minha cabeça, em modo de repetição.
é isto. não vens mais, pois não? não sei onde é que estás, mas estás.
não te volto a ver. nunca mais. é injusto e sinto-me cansada, em pânico.
não volto a ficar sozinha.


3 comentários:

Anabela disse...

Nunca estamos sozinhos!
Há sempre alguém a cuidar de nós! Mesmo que esteja ausente!

Beijinhos

Jone disse...

Você não está sozinha, estará sempre alguém que te ama por perto!
Acredite, sozinha jamais você ficará.

Fica bem, beijoo!

snail disse...

Gostei de ler este texto! Dá para perceber aquilo que sentiste na perfeição.
Houve alturas em que estive mergulhada em sensações semelhantes e é estranho...
Eu gosto de pensar sobre a efemeridade das coisas, gosto de pensar que fazemos parte da cadeia alimentar e que um dia o nosso corpo em descomposição aliemntará outras especies.
Eu as primeiras vezes que entrei em cemitérios estranhei, principalmente quando eram em enterros. Mas neste dia é diferente é um dia em que vou lá e recordo a ponho na sua campa uma das flores preferidas dela que sempre que as vejo lembram-me dela. E porque não a quero esquecer, nem temo pensar sobre a morte é apenas mais uma face da vida que é inevitavel. sabes, a campa aonde vou não está identificada, nem está coberta de marmore, e há sempre umas flores de plástico cuja a origem ninguém conhece e todos os anos são renovadas.