estavas no pensamento da bárbara como a mão da lídia estava na mão do ricardo.
o casal observava o rio juntos, em silêncio, porque de nada lhes valia agir. e não te digo isto por gostar de poesia; eu gosto, sim, mas não da de ricardo reis.
percebes agora o irónico da questão?
não gosto disto como não gosto dele, vejo-o isolado no seu sofrimento de menosprezar o amor porque a vida, um dia, acaba.
a bárbara odeia isto tudo.
tudo o quê? tudo o que há.
vejamos; ela simpatiza com a perspectiva de uma vida vazia de dor e tristeza. o amor implica, para ela, uma certa dor e tristeza. e isso não é mau, porque lhe faz sentir cubos de gelo a rebolar nas suas costas febris. é uma mistura de alívio e sensação aguda que, ao primeiro toque, dá vontade de rejeitar. mas, depois, a postura estóica com que ela se permite entregar à dor está repleta de romancismo e êxtase.
por isso é que ela pensa em ti. quanto mais silêncio lhe deres, mais ela sorri enquanto dorme, mais infantil e ingénua se sente, mais febril se torna a pele das suas costas - e, agora, o corpo todo.
assim que soube o débil silêncio com que te expressaste na missa, assim que compreendeu que o mundo é redondo e nada poderá fazer para o impedir, esticou-se na cama e inspirou todo o ar que havia à sua volta.
bárbara não pode deixar de ser mulher, não pôde nunca, e, com ricardo e lídia na cabeça, procurou o teu silêncio com os dedos.
e, por isso, sorri enquanto dorme.