12.2.09

histórias de Portugal

o autocarro hoje andava aos trambolhões e, exactamente por isso, os meus pensamentos também.
tanta gente de idade, tantas memórias que para ali circulavam no ar, dado o silêncio que se fazia sentir. maior parte dessa gente haveria de se sentir sozinha, e por isso é que os mais velhos às vezes falam para o ar: no meio da rua, no autocarro... sentem-se sozinhos. morreram-lhes as famílias e contam os dias até deixarem este mundo. é realmente triste.

o povo português anda descontente. a culpa não sei de quem é, vejo isso desde que me lembro. a cara da urbe é pesada, triste, preocupada.
daqui a quinze anos, metade dos transeuntes que vejo estarão debaixo de terra, porque Portugal está envelhecido e ninguém vive para sempre. sei que não é bonito pôr-se as coisas desta maneira, mas é verdade e todos sabemos.

e para onde é que vão as memórias, quando não são passadas de boca em boca?
que será feito das histórias que os velhotes contam com orgulho, do Portugal de outrora? muitas delas ficarão perdidas por causa da intrusa solidão.


quando dei por ela, tinha uma arma no meu bolso - mais concretamente, uma pistola. ocorreu-me um "eh, lá!" e, depois de minutos em estado de choque, pensei:
andar com pistolas é mau agoiro, pelo menos para mim, que quero ir para casa descansada e ainda aparece o pica e vê-me isto. olha, afinal de contas, pouco me importa. as pistolas não são baratas para se andar a -las nos bolsos dos outros. portanto, das duas, uma:
1.ou foi alguém que se enganou.
2.ou foi Deus que me quis pregar uma partida e eu tenho de reagir.

escolhi a hipótese mais engraçada.

PuM pUm PUm PUM!

a primeira reacção dos meus companheiros de viagem foi atirarem-se ao chão. eu não acertei em ninguém, nem era essa a minha intenção. os tiros foram para o ar.
- quero toda a gente a contar-me as suas memórias JÁ! - gritei, imponente. as vítimas continuavam imóveis. - vá, não quero que me interpretem mal. ninguém se vai magoar que eu ainda tenho de estudar Português. por isso, se fizerem o favor, não demorem uma eternidade. - sendo que ninguém tomava a iniciativa, especifiquei - pode começar por aquele senhor ali de bóina.

3 comentários:

Nervermind disse...

Em primeiro lugar, o posta está muito bem escrito e é de uma originalidade genial. De facto era bom que houvesse uma maneira de que todas as memorias de toda a gente pudesse ficar guardada em algum lado. Ás vezes também sinto isso.

C disse...

tens sempre uma forma óptima de dizer o que pensas e de uma forma muito original!

Dann disse...

Bloody good. Está nos meus favoritos - ao lado dos textos de Fernando Pessoa e de muitos outros génios da escrita - Gostei, mesmo.