saiu do autocarro, entretida nos seus encantos mentais, quando notou na paisagem algo que não estava igual a ontem. mas o que seria aquilo, que nao tinha ouvido comentar pelo bairro? nem se perguntou se deveria. simplesmente entrou.
aquele espaço já tinha tido todos os efeitos, ou quase. nunca acabava bem. também, naquela rua escondida de lisboa, ninguém tem o especial objectivo de esvaziar a carteira.
já tinha sido loja de animais, de congelados, clube de vídeo (tinham gomas e tudo!) e igreja chinesa. nunca visitou nenhuma. deixava sempre pra depois. até que, quando dava por ela, o espaço já tinha sido esvaziado novamente. pobres e ignorantes comerciantes. se pudesse, teria colado um efémero aviso na porta: "não arrendem, negócio fraco e estadia curta!" mas nunca se permitiu a tal ousadia.
desta vez, aproveitaria a chance. queria ter algo para contar na primeira pessoa, um dia mais tarde, quando os ingénuos vendedores, mais uma vez, se fossem embora de mãos a abanar.
observou o espaço - Centro de Estudos - "não percebo como é que vão lucrar alguma coisa de jeito com isto". parece que a juventude, no geral, perdeu o gosto de estudar. de facto, a juventude nunca teve grande prazer em estudar. é legítimo, já que a juventude está em constante metamorfose e cada um se apercebe a falta que o estudo faz, a seu tempo, numa idade póstuma; aí, não têm outro remédio senão ralhar com os filhos para que estes estudem.
o Centro de Estudos tinha bom aspecto. mas não dava vontade de estudar.
uma rapariga chegou-se ao balcão, radiante. devia pensar que era a primeira cliente, já ouvia as moedas a tilintar, mas não era bem assim. de sorriso bem marcado, quase cantou:
- em que lhe posso ser útil? - fez uma pausa. - este é o centro de estudos, tem à sua disposição diversos livros e enciclopédias de história, física, química... - reparando que se estava a estender mais do que lhe seria pedido, rapidamente se acalmou e ofereceu um panfleto. - está aqui tudo. - foi observada atentamente. pelo emblema, chamava-se Helena e teria os seus vinte anos. como resposta, recebeu uma mão e um:
- olá, eu sou a Catarina. - pasmou-se. sorriu, estendeu a mão.
- Helena, muito prazer.
- não gosto especialmente de estudar. mas, como imagino que não conheça ninguém na zona, ofereço-me para criar laços consigo. assim, quando perceber que o negócio deu para o torto, ao menos não sai daqui de mãos a abanar. visto que não temos uma grande diferença de idades, tratá-la-ei por tu, e peço-lhe que faça o mesmo.
Helena sorriu, surpreendida, sem reacção verbal.
- ah, e gosto muito de chocolate. - continuou Catarina - que é que achas de tirares quinze minutos para irmos tomar um café?
Helena assentiu, e seguiram as duas pela rua.
dou-me ao trabalho de criar a história toda, embora seja ficcional. porque é que temos sempre tanto medo de criar laços? eu passei pela loja e segui adiante, para casa.
5 comentários:
Apesar de ja te ter dito o que achava do texto, sei que dá sempre jeito ter uns comentários no blog. Portanto cá vai: espero que continues a fazer textos que abordem temas tão interessantes, o exemplo da despersonalização e da falta de relação que existe em relação ao mundo que nos rodeia, pois ficamos restringidos ás pessoas que se encontram na nossa "faixa de conhecimentos" (essa Helena para todos nós seria a recepcionista do centro de estudos, não a Helena) é algo que devia entrar na cabeça de muita gente. Continua!
Estás certa!
toda a gente tem medo de criar laços.. se as pessoas que não conhecemos já nos magoam tanto, imagina mais uma pessoa. Medo de errar. Medo que não corra certo. Quantas vezes não passas por uma rapariga ou um rapaz na rua e lhe tens vontade de sorrir, nem que seja só porque tem uns ténis giros ou porque tem uma cara simpática? Eu acho que não ando de trombas na rua e mesmo assim, ninguém me sorri. Quando o faço, olham desconfiados, como se sorrir para um desconhecido fosse tão mau como ser assaltado. Dá pena, não dá?
O problema dos laços é o constrangimento de invariavelmente, em qualquer momento no espaço-tempo, darmos por nós a contarmos aquelas pequenas "coisas" a um recente " amigo", que nem faziamos ideia que as tinhamos para contar.
Temos a mania que estamos bem, que tudo flutua no leito do marasmo, e é então que sem querer abrimos o livro das inundações da mente, e jesus...quando damos por ela, dez minutos transformaram-se para quem nos ouve, num tique nervoso a olhar o relogio, a mexer no cabelo, a pensar no jantar desse dia, enquanto nós...estamos inebriados a ouvirmos o que nunca nos dissemos. E já la vão 30 minutos, e o recente amigo, já promovido a confidente, repara que em algum ponto da conversa (monologo), tem algo a acrescentar, e tambem ele inicia um monologo..e no fim, sorrisos e abraços e ala que se faz tarde.
Passamos uma hora a estreitar laços ( de quem? Para quê?), unicamente para esconder o nosso mais secreto receio...
A solidão!
Gosto deste texto. Não sei explicar porque mas parece que toca ca dentro de nos numa parte onde pensamos que estamos sempre sozinhos...Li o texto e sorri pensei em ti a sorrir para mi, é normal? faz me falta o teu laço =/ mas este blog sim senhora 4* só não é mais porque faltam videos como esse do livro ;)
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