6.11.12

a música às vezes faz mal

completamente atacada por umas alergias assassinas. o meu corpo virou-se contra mim. já devia era ter marcado alergologista, uma pessoa vai deixando andar porque não parece que é preciso e ZÁS, lá vem a porcaria da alergia outra vez, cada vez com mais força e destreza, pronta para me arrumar a um canto. escusado será dizer que estou a demorar séculos só para escrever uma frase, mas eu tenho de lutar contra ela, não vou render-me assim tão facilmente.
eu diria que não é doloroso, é incómodo; mas, pensando bem, de tão incómodo que é, dói. porque eu aguento bem um nariz em ferida, já sofri mais, arde apenas. mas, tendo de me assoar a cada dois minutos, esta porcaria acaba por custar. e, no meu crânio, sinto que estou incessantemente a inspirar água com força - aqueles piquinhos que vêm desde o cocuruto até ao nariz e que fazem os olhos chorar e fechar.
só me lembro, como consolo, daquela vez em que tive uma infecção urinária. andava há uns dias a ouvir um cd de interpretações de músicas de bossanova no meu carro - isto pode não parecer muito adequado de referir, mas até é - até que, nessa altura, acordei de madrugada com uma súbita vontade de fazer xixi. mas não era uma vontade normal, era uma vontade que ameaçava matar-me se eu não fosse a correr à casa-de-banho. percebi logo que se passava alguma coisa e custou me muito adormecer, porque  durante as piscinas entre o quarto e a casa-de-banho, cada vez me sentia pior. isso sim, é que foi dor. o pior é que não me saíam da cabeça aquelas belas músicas de bossanova; ecoavam repetida e arrastadamente na minha cabeça, como se tocassem num gira-discos estragado. eu, sentada na sanita e cheia de sono, cantava-as para ver se saíam da minha cabeça de uma vez por todas, e nada. levava as mãos à cara, quase que adormecendo, tentando pensar noutra coisa. mas lá voltavam a assombrar-me aquelas músicas, sem dó pela minha condição.
foi um verdadeiro pesadelo.
por isso, sempre que estou doente ou me dói alguma coisa, lembro-me daquela mítica noite. e nunca mais fui capaz de ouvir aquele cd, nem nunca mais voltei a mexer nele. e nunca mais fui tão infeliz.

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