nair é portuguesa e tem esse nome esquisito, nair. dizem que é árabe e que significa "estrela brilhante do navio". seja como for, nair não gosta de barcos, enjoam-na, mas adora viajar e, mesmo que não gostasse, teria de o fazer porque é a grande paixão da sua mãe, que nunca seria capaz de conhecer mundos sem ela.
nair tem esse nome por causa da avó paterna, chamava-se assim também mas era brasileira. essa nair era, de facto, uma estrela. quiseram os astros que fosse para o céu quando a sua neta ainda era pequena, e a nair pequena via o céu estrelado sem perceber qual delas seria a sua avó. por sorte ou por azar, não ficou com o nome gracinda, que era o da sua avó materna. era muito comprido, ou fora de moda, o que é facto é que nem a mãe nem o pai se lembraram de a baptizar assim. na verdade, o nome nair também não está na moda, mas soa bem, gostamos de coisas raras, e nair é indubitavelmente rara. quando anda parece que dança, os seus passos parecem movidos por uma brisa suave e fazem as pessoas mais atentas acreditarem que as suas pernas são leves como penas.
nair fotografa com os olhos o que tem à sua volta e absorve com o nariz todos os odores que há. deve descender de lobos, pensa que tem faro em vez de olfacto, e delicia-se se tiver de passar uma tarde sentada na varanda a inspirar até se cansar, para conhecer todas as histórias do seu bairro, da sua cidade e do seu mundo. o planeta é este, terra, mas o mundo é outro. nair realmente convenceu-se de que estava noutro mundo qualquer naquele dia em que passeou de jipe por várias terreolas que lhe faziam lembrar maruim. eram todas iguais umas às outras, e todas iguais a maruim. máru im, é assim que se lê. eram todas iguais umas às outras e nair ia de cabeça de fora, que nem um cão mal amestrado, saboreando pelas narinas todos os cantos dos lugares novos onde entrava, até que chegou a uma aldeia igual às outras com uma característica diferente. esta não cheirava a folhas, suor, fruta e cocó de cavalo. cheirava a perfume, era um cheiro forte. primeiro pensou que devia ser de um senhor que por ali passava, mas logo percebeu que toda a aldeia estava empestada com o doce aroma. era tão bom senti-lo, que nair sorria. e, vendo com atenção, todas as pessoas dessa aldeia sorriam.
esta aldeia é tão feliz, pensou, todas as pessoas sorriem e este cheiro não é de flores nem de sprays aromatizantes, nem do cabelo comprido de uma mulher. este cheiro é do próprio ar, que foi abençoado para que todos se sintam em casa mesmo quando saem à rua.
e, agora, como descrever esse cheiro? era bom, doce, tinha um toque ácido e nada mais. tomara nair guardá-lo numa caixa, mas não era sequer fisicamente possível. nunca pôde partilhá-lo com ninguém, como se partilham souvenirs ou fotografias. a aldeia perfumada ficou para sempre naquele recôndito do mapa, e nas narinas de nair.
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