31.8.10

28.8.10

a aldeia perfumada

nair é portuguesa e tem esse nome esquisito, nair. dizem que é árabe e que significa "estrela brilhante do navio". seja como for, nair não gosta de barcos, enjoam-na, mas adora viajar e, mesmo que não gostasse, teria de o fazer porque é a grande paixão da sua mãe, que nunca seria capaz de conhecer mundos sem ela.
nair tem esse nome por causa da avó paterna, chamava-se assim também mas era brasileira. essa nair era, de facto, uma estrela. quiseram os astros que fosse para o céu quando a sua neta ainda era pequena, e a nair pequena via o céu estrelado sem perceber qual delas seria a sua avó. por sorte ou por azar, não ficou com o nome gracinda, que era o da sua avó materna. era muito comprido, ou fora de moda, o que é facto é que nem a mãe nem o pai se lembraram de a baptizar assim. na verdade, o nome nair também não está na moda, mas soa bem, gostamos de coisas raras, e nair é indubitavelmente rara. quando anda parece que dança, os seus passos parecem movidos por uma brisa suave e fazem as pessoas mais atentas acreditarem que as suas pernas são leves como penas.
nair fotografa com os olhos o que tem à sua volta e absorve com o nariz todos os odores que há. deve descender de lobos, pensa que tem faro em vez de olfacto, e delicia-se se tiver de passar uma tarde sentada na varanda a inspirar até se cansar, para conhecer todas as histórias do seu bairro, da sua cidade e do seu mundo. o planeta é este, terra, mas o mundo é outro. nair realmente convenceu-se de que estava noutro mundo qualquer naquele dia em que passeou de jipe por várias terreolas que lhe faziam lembrar maruim. eram todas iguais umas às outras, e todas iguais a maruim. máru im, é assim que se lê. eram todas iguais umas às outras e nair ia de cabeça de fora, que nem um cão mal amestrado, saboreando pelas narinas todos os cantos dos lugares novos onde entrava, até que chegou a uma aldeia igual às outras com uma característica diferente. esta não cheirava a folhas, suor, fruta e cocó de cavalo. cheirava a perfume, era um cheiro forte. primeiro pensou que devia ser de um senhor que por ali passava, mas logo percebeu que toda a aldeia estava empestada com o doce aroma. era tão bom senti-lo, que nair sorria. e, vendo com atenção, todas as pessoas dessa aldeia sorriam.
esta aldeia é tão feliz, pensou, todas as pessoas sorriem e este cheiro não é de flores nem de sprays aromatizantes, nem do cabelo comprido de uma mulher. este cheiro é do próprio ar, que foi abençoado para que todos se sintam em casa mesmo quando saem à rua.
e, agora, como descrever esse cheiro? era bom, doce, tinha um toque ácido e nada mais. tomara nair guardá-lo numa caixa, mas não era sequer fisicamente possível. nunca pôde partilhá-lo com ninguém, como se partilham souvenirs ou fotografias. a aldeia perfumada ficou para sempre naquele recôndito do mapa, e nas narinas de nair.

19.8.10

adeus

e, por lhe ter sido feito este derradeiro pedido, pegou numa mera caneta e escreveu-lhe num caderno preto o que o seu cérebro lhe permitia e o que o seu coração lhe impedia, houve uma combinação explosiva de palavras e sensações que percorreu todo o seu corpo e que terminou num breve deslize da caneta no papel.

amo-te, basta.

16.8.10

call all angels

passeando por ruas lisboetas, encontram-se destas relíquias.
passeando pelas ruas da vida, encontram-se anjos.
passeando pelo meu coração, sinto-os todos lá.

15.8.10

é menino ou menina?

esta casa está grávida.
em setembro vamos buscar um bebé (cão, entenda-se) e mal posso esperar para vê-lo chegar a casa e perceber que já tem uma caminha e bonequinhos para brincar.
agora que noto bem, temos feito tudo o que um casal prestes a ter um filho faz. comprámos um livro que tem todas as dicas de que possamos precisar, preparámos o espaço dele, indagamo-nos se será macho ou fêmea e fazemos planos.
provavelmente traremos para casa aquele(a) que chamar por nós, preferimos que a decisão da escolha caiba ao pequenote.

quando o/a tivermos na nossa companhia, colocarei a primeira fotografia neste blog. estou muuuuito feliz!

boas férias.

10.8.10

mea culpa

amanhã piro-me para o algarve e sabe deus quando é que poderei cá vir marcar presença.
assim sendo, deixo-vos com uma bela história citadina, daquelas que estão sempre a acontecer mas que são raras de presenciar, ao estilo do paris je t'aime.

pois bem; ia eu muito contente pela rua, caminhando para minha casa, difamando as condições climatéricas que se têm feito sentir quando, ao começar a subir uma escadaria daquelas bem lisboetas, me deparo com um belo gatito num degrau.
vejo gatos todos os dias, e dão-me pena. terão sido abandonados? fugiram de casa? este seria decerto o filho de um desses fugidos/abandonados, porque já conhecia bem os truques da rua e ainda era jovenzinho. assumo isto porque ele, estando de costas para mim, mirava um grupo de pombas estúpidas que bicavam as folhas das árvores caídas no chão, uns sete degraus acima. não sei como é que se chama esta posição felina com a qual estamos todos familiarizados depois de vermos o rei leão, mas era essa que ele fazia. fitava-as, atento. achei amoroso. como estou habituada a lidar com cães, pensei que ele se preparava para se atirar e brincar à apanhada.
eu sorria descontraída, parada no início da escadaria (até porque é preciso ter coragem para subir aquilo sob um sol tão ardente) e, eis senão quando, o gato atira-se às pombas, e o meu ingénuo sorriso passa, lentamente, para um esgar de nojo. o gato, de facto, apanhou uma pomba. e as outras ficaram ali de roda, a olhar com aquela expressão ridícula das pombas.
o gato ficou ainda um bom bocado a imobilizar a pomba, a coitada lá ia batendo as asas. fiquei com pena. uma senhora juntou-se a mim, observando espantada.
"estas coisas não se vêem todos os dias" comentei eu, ao que ela respondeu "ai, que horror!"
uma outra senhora saía de um prédio e, mal viu o espectáculo, gritou "coitadiiiinhhhaaaaa!!" e correu para salvar a pomba, o que me pareceu idiota. pobre gato, tinha de sobreviver.
outras duas raparigas que tinham saído de outro prédio, olhando também horrorizadas, tranquilizaram-na "é tarde demais..."
o gato afastou-se com a sua merendita, lentamente.
"não sei" disse eu "parece-me que a pomba ainda bate as asas" e nisto, uma brasileira que parecia ali entendida no assunto respondeu-me "não... o danado já arrancou a cabeça dela"
mais enojada fiquei. lá ia o caçador, com a pomba decapitada, para debaixo de um carro.
fui horrorizada para casa, e fiquei a pensar nisto. irritam-me aquelas velhas que atiram miolo de pão com sei-lá-o-quê às pombas, apetece-me chegar lá e dizer-lhes "sabe que isso é crime?". as pombas são animais, e merecem tanto respeito quanto os outros, mas são também uma praga de lixo e doenças que empestam as ruas e os monumentos e que, a certa altura, aparecem atropeladas e bem esmigalhadas no meio da rua. isto não deveria ser uma coisa normal. isto parece um mundo do avesso. não deveria ser aceitável eu estar a caminhar tranquilamente e levar com um cagalhoto em cima, que me arruína o dia.
também não deveria ser aceitável haver tantos gatos na rua, e cães também, prestes a serem levados para o canil para serem abatidos.
isto é culpa nossa. é tudo culpa nossa. às vezes sinto que estamos a involuir.

1.8.10

without you

sem retorno

eu própria perdi a noção do tempo. se um desastre nunca vem só, melhor é que venham todos de uma vez para provarmos ao mundo que ainda nos aguentamos aqui, firmes e hirtos.
nunca deixar de agradecer, porém, pelas coisas boas da vida que, apesar de às vezes parecerem tão microscópicas, enchem-nos a alma que é uma alegria. o que é preciso é saber estar-se equilibrado, 50% de coisas boas como de más. é assim que a vida, na verdade, é.
hoje disse uma frase qualquer que me soou a ouro, e agora não me lembro. maldita memória.
farei, no entanto, uma breve anotação aqui para que não me esqueça: quando os ventos me levarem, seja daqui a dez ou cem anos, terei de ter em conta os meus dezoito anos que me permitiram conhecer a felicidade.

ainda bem que avisei que não sou directa. gosto de ver as coisas assim. obrigada.